25 de mai. de 2014

Convivendo com um perverso

A perversidade reside em cada um de nós e se manifesta por diversos motivos. É ela que, por exemplo, em alguns momentos aciona mecanismos de defesa em situações nas quais sentimos nossa integridade ameaçada. A raiva por nos percebermos abusados e o desejo de vingança são alguns dos ingredientes que podem nos impulsionar à expressão da maldade que trazemos internamente, revelando, em seguida, sintomas de culpa em decorrência de ações por ela mobilizadas. E por reconhecermos essa faculdade inerente à natureza humana, que surge eventualmente, nos assombramos quando tomamos conhecimento de pessoas que fazem dessa dinâmica perversa sua forma de ser em tempo integral.

Boa parte das pessoas, senão todas, já conviveu ou convive com um perverso. Eles estão em toda parte, nas famílias (relações conjugais e parentais), nas escolas (entre amigos), nas empresas (colegas de trabalho e chefias) e no âmbito social. Extremamente sedutores, utilizam da inteligência e da perspicácia no que concerne às limitações do outro para iniciarem um processo definido como enredamento, por intermédio do qual sondam as fragilidades da vítima, iniciam um trabalho que favorece uma cegueira no outro quanto aos riscos que estão por vir na relação em desenvolvimento.

Os perversos narcísicos, assim definidos pelo DSM IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais IV), não enxergam o outro como pessoa, mas como objeto que existe para satisfazê-los, projetando nele conflitos íntimos que não podem assumir pela sua incapacidade de se perceberem falíveis. Megalomaníacos, possuem um senso grandioso sobre a própria importância e acreditam ser especiais, o que reforça a necessidade de serem constantemente admirados, a manifestação de comportamentos arrogantes e a inexistência de empatia.

Conviver com um perverso gera sentimentos infindáveis de culpa, inadequação, impotência e abandono, além de quadros severos de ansiedade e de depressão. É às custas de uma grande tensão interior que a vítima consegue acalmar seu algoz nas ocasiões em que se apresenta nervoso, que mascara o descontentamento com a relação e que se esforça para não reagir. O organismo vive em constante estado de alerta, liberando hormônios que depreciam o sistema imunológico e modificam os neurotransmissores cerebrais.

A longo prazo, a persistência de taxas hormonais elevadas gera distúrbios que se instalam cronicamente como: palpitações, sensações de opressão, falta de ar, fadiga, perturbações do sono e digestivas, nervosismo, irritabilidade, dores de cabeça e abdominais, úlceras de estômago, doenças cardiovasculares e de pele, perda ou ganho de peso e, ainda, enfraquecimento.

As estratégias básicas que norteiam um comportamento perverso, passada a fase do enredamento, são padrões agressivos nos quais pode-se notar o uso dos recursos da mentira, da linguagem paradoxal, da desqualificação, da recusa ao diálogo, todas elas como forma de confundir a vítima sobre a mensagem dada pelo agressor e a recebida por aquela, o que favorece a manutenção da manipulação e do controle na relação.

Como irritar um perverso? Mostre que percebe seu jogo. É tentador imaginar-se virando o tabuleiro, deixando fluir a própria natureza perversa, mas é importante saber que normalmente o perverso não perde uma guerra. Travar uma batalha psíquica com alguém com essa natureza promove um desgaste físico e emocional tão intenso quanto manter-se inerte. O recomendável é evitar a sedução do jogo e proteger-se, buscando ajuda psicológica para que seja possível descobrir sentimentos e necessidades que promovem a vinculação a ele e o fortalecimento para libertar-se da relação ou o aprendizado necessário para lidar com ela. E neste campo, não há espaço para ilusões! Um perverso dificilmente muda seu padrão comportamental!

Marie-France elucida que, diferentemente de um masoquista, a vítima de um perverso não aprecia o sofrimento, mas simplesmente não consegue se libertar sozinha. Ela faz menção aos esclarecimentos de Alice Miller sobre os danos de uma educação repressora, como forma de retirar da criança defesas naturais vinculadas à expressão de desagrado ou de indignação por atitudes dos adultos. A autora ainda revela que a longo prazo,  essa conduta dos pais mina a autenticidade e atrofia a auto estima, criando futuros adultos incapazes de dizer não e, portanto, mais vulneráveis às ações perversas. 

Quando o insucesso de uma relação entre um perverso e uma vítima começa a ficar explícito, a sociedade e a família, de um modo geral, creditam à vítima a incapacidade de cessar o tormento – “Ela não sai desse casamento porque gosta de sofrer!”. Esse julgamento baseado em percepções superficiais também se dá em função da violência infligida ser de natureza “limpa”, não deixando vestígios. Nesse momento, o perverso se utiliza de outra arma, a vitimização. E não poupará esforços e inteligência para reverter o quadro, fazendo com que a vítima, próxima de seu limite, torne-se agressiva, pareça ingrata e até mesmo enlouqueça. Para aqueles que desconhecem a verdade entre quatro paredes, a versão explícita é a verdadeira.

Não raro, chegam aos consultórios de Psicologia, mulheres casadas e profissionais que sofrem ou sofreram a perseguição de um perverso. Quando buscam o tratamento psicológico e/ou psiquiátrico encontram-se em estados depressivos severos com quadros de esgotamento intenso ligado a um excesso de estresse. Sentem-se exauridos, sem energia e apresentam dificuldade para pensar ou se concentrar, mesmo em atividades corriqueiras. Alguns apresentam ideias suicidas e outros tentam efetivamente o ato extremo, o que para o perverso reforça a imagem de impotência e incompetência da vítima, facilitando com que comprove o estado perturbado e louco do outro e se fortaleça como algoz, todo-poderoso, com rigor moral e sabedoria.

Ana Virgínia Almeida Queiroz
Psicóloga Clínica

CRP: 01-7250

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